Acidente de trânsito: quem é o culpado quando o envolvido é menor de idade?
- João Siqueira
- 19 de jul. de 2024
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de ago. de 2024
Acidente de trânsito com menor de idade
Vamos imaginar a seguinte situação: seu filho(a), menor de idade, está dirigindo um automóvel, quando se envolve em um acidente de trânsito - de quem é a culpa civil? Pode parecer óbvio, porque um menor de idade não possui habilitação, logo a culpa é do menor, certo? Errado, e vou explicar o porquê.

A culpa popular é conhecida no mundo jurídico como responsabilidade civil. Esta, por sua vez, é atribuída àquele que, através de uma ação (fazer algo) ou omissão (deixar de fazer algo), causar dano a outra pessoa. No entanto, não é qualquer ação ou omissão, tem que existir dolo ou culpa.
"Culpa?". Eu sei, eu sei... pode parecer confuso, mas essa culpa jurídica é a negligência, imprudência ou imperícia. Então, entenda assim: dolo - querer causar o acidente; culpa - causar o acidente por descuido, excesso ou por não ter habilidade.
Você pode pensar: "então, é uma ação culposa, porque o menor não tem habilitação. Vou ter que pagar o conserto...", mas não é bem assim! Para haver a responsabilização civil de uma pessoa é necessário que existam provas de que ela causou o acidente. O fato de alguém sem CNH ter se enolvido em um acidente, não prova a responsabilidade dele por imperícia - mesmo que seja menor de idade - pois é necessário provar sua culpa. Veja um julgado:
APELAÇÃO AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ACIDENTE DE TRÂNSITO Decisão que julgou improcedente a ação Ausência de habilitação (CNH) é mera infração administrativa e não faz presumir a imperícia do condutor - Autor não demonstrou que o réu conduzia a motocicleta com negligência ou imprudência Ausência de culpa. (TJ-SP - APL: 00029542420108260081 SP 0002954-24.2010.8.26.0081, Relator: Hugo Crepaldi, Data de Julgamento: 07/08/2014, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/08/2014)

Desse modo, o adolescente só será responsabilizado se for demonstrada sua vontade de causar o acidente, seu descuido, seu excesso ou sua imperícia (de maneira inequívoca). No entanto, note: mesmo não sendo capaz de presumir a responsabilidade do condutor, a falta de CNH, por si só, configura infrações em outras áreas do direito - fique atento!
Então, como é determinada a responsabilidade do condutor?
Em primeiro lugar, a responsabilidade não é determinada apenas pela violação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Por exemplo, se houver um carro estacionado de maneira irregular na calçada e você colidir intencionalmente com ele, a responsabilidade pelo acidente será sua, mesmo que o outro veículo esteja violando o CTB. Isso ocorre, porque a violação de uma norma de trânsito por outra pessoa não lhe dá o direito de causar um acidente. Portanto, a “culpa contra a legalidade”, em regra, não é admitida.

Dessa maneira, para a fixação da responsabilidade, é necessário um conjunto probatório que demonstre quem agiu com dolo ou culpa. Esse conjunto pode ser constituído através de fotos, vídeos, depoimento de testemunhas ou do boletim de ocorrência, desde que traga ao julgador a certeza de quem causou o acidente.
Você pode estar se perguntando "mas e se não houver nenhuma dessas provas?", nesse caso, existe a possibilidade de realizar perícia, que estabelecerá, com base nos elementos do acidente, quem lhe deu causa.
Portanto, se existirem provas de que o acidente foi causado por culpa do outro motorista, é possível que ele tenha que indenizar o menor que não possui habilitação - já pensou?
E se houver provas de que o adolescente provocou o acidente?
Nesse caso, comprovada a ação culposa ou dolosa do menor de idade, a reparação dos danos causados pelo adolescente é imposta aos seus responsáveis, em vista de sua responsabilidade objetiva, disciplinada nos artigos 932, I, e 933 do Código Civil, conforme se vê:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos. (Grifo nosso)
Desse modo, basta que seja demonstrado que o menor de idade agiu com dolo ou culpa para que o dever de indenizar se estenda a seus pais ou responsáveis, veja o entendimento do STJ:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. (...) 5. A teor do disposto no art. 932, I, do CC/02, os pais são responsáveis pela reparação civil dos danos causados pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia. A atribuição de responsabilidade, nessa hipótese, prescinde da demonstração de culpa dos pais, conforme prevê o art. 933 do CC/02, bastando que se comprove a prática de ato ao menos culposo pelo filho menor. (REsp n. 1.637.884/SC, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/2/2018, DJe de 23/2/2018. ). (Grifo nosso).

"Bom, acho que entendi, se meu filho(a) causou um acidente e foi comprovado o dolo ou a culpa, ele terá que indenizar a outra pessoa e eu só terei que indenizar caso ele não tenha como fazer, correto?". Então... é justamente o contrário: os responsáveis respondem pelos danos causados pelos incapazes, veja o que diz o Código Civil:
Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. (Grifo nosso)
Portanto, se o adolescente causou o acidente de trânsito com dolo ou culpa e houve danos a terceiros, a obrigação de arcar com o prejuízo é dos pais. Assim, o menor de idade apenas responderá pelos danos se os seus pais ou responsáveis não dispuserem de meios suficientes para a reparação do dano.
Conclusão
A responsabilização pelo acidente de trânsito dependerá do conjunto probatório levado a juízo, pois - em regra - somente quem deu causa ao acidente pode ser responsabilizado. Em regra, porque os pais ou os responsáveis podem ser responsabilizados pelos danos gerados pelos incapazes, mesmo não dando causa direta à ocorrência do acidente. No entanto, a falta de CNH não gera, por si só, a culpa do menor de idade, pois pode ser que ele não tenha dado causa ao acidente de trânsito, portanto cada caso deve ser avaliado cuidadosamente. Por isso, em situações como essa, busque sempre a orientação de um advogado de sua confiança.
Fiquem à vontade para agregarem conhecimento ou tirarem suas dúvidas através dos comentários ou entrando em contato no e-mail joaosiqueira@adv.oabsp.org.br.
Referências
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n.º 00029542420108260081 SP 0002954-24.2010.8.26.0081. Relator: Hugo Crepaldi, Data de Julgamento: 07/08/2014, 25ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/08/2014.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.
STJ. Recurso Especial: REsp 1.637.884/SC. Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma. Julgado em 20/2/2018, DJe de 23/2/2018.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro.
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